Claro que em isolamento social durante a pandemia do COVID-19, cozinhei muito mais. E quando a gente faz por obrigação, às vezes cansa. Mas nestas horas... viva os aplicativos de comida!!
O fato é que mesmo cozinhando há vários anos, nunca fui muito bom em produzir massas em geral, seja ela macarrão, bolos, pizza ou pães. Se me desse a massa pronta, beleza! Deixa o resto comigo que eu garanto!
Eis que então resolvi aproveitar este meu tempo de quarentena para, entre outras coisas mais profissionais, aperfeiçoar esta minha fraqueza. Mas a grande transformação saiu de onde eu menos esperava: o Pão.
Nunca tinha feito um pão na vida, mas incentivado por uma amiga que adora fazê-los e que já tinha me presenteado com alguns, resolvi arriscar. Somente depois vim me dar conta que a quarentena gerou um movimento ?faça seu próprio pão? levando à escassez de farinha e fermento no mercado por alguns dias.
Fiz meu primeiro pão, um pouco tenso ainda, mas curti o processo e o resultado final foi fantástico. Me encorajei a fazer mais alguns e com o resultado positivo descobri que estava gostando da brincadeira. Por isso, me encorajei a avançar mais uma casa no grau de dificuldade: fazer meu próprio levain!
Levain ou Fermento Natural é o processo mais artesanal da panificação. Dá trabalho, requer cuidados, maior tempo para a produção do pão, mas o resultado final vale a pena: um pão com aroma e sabor diferenciado, facilmente digerido pelo organismo, muito melhor que qualquer pão industrializado.
Fui em busca de mais informações, fiz meu fermento do zero, e comecei a fazer os pães com fermentação natural. Diferente da fermentação biológica que o processo é relativamente mais simples, os pães de fermento natural mostraram maior complexidade. Com muito esforço, alternando entre erros e acertos, consegui pegar a mão e aprender a lidar com este tipo de pão.
Meus pães começaram a sair gostosos, bonitos, elogiados...que satisfação!
Mas, além do prazer em fazer um pão delicioso, colocar a mão na massa abriu minha cabeça e trouxe muitos insights para o mundo corporativo (e até para a vida pessoal), que pretendo utilizar em minhas aulas e palestras, mas que vou compartilhar aqui em primeira mão.
A primeira coisa é que fazer pão requer fontes de informação e capacitação. Se eu nunca fiz pão, tenho que buscar aprendizado de fontes confiáveis, claras e práticas para eu conseguir fazer algo que eu não detenho conhecimento.
Obviamente hoje está muito mais fácil porque a internet está cheia de pessoas falando de tudo que é tema. Mas, após uma breve pesquisa, usando uma técnica dos Empreendedores Compulsivos chamada deep speed (mergulhe o mais profundo que conseguir no menor espaço de tempo possível), eu consegui três excelentes fontes de aprendizado para pão: Luiz Américo Camargo (autor do Pão Nosso e Direto Ao Pão), Pão da Casa Wit (Rene Seifert) e Amo Pão Caseiro (Adriano Ribeiro).
Outra lição importante é o planejamento de recursos e de tempo. De recursos, porque para fazer pão, você precisa ter basicamente quatro ingredientes: farinha, sal, fermento e água (algumas vezes ovo, leite, manteiga e etc). Só que aqui em casa, farinha e fermento não eram ingredientes comuns porque usamos muito pouco. Então antes de fazer pão, tive que ir às compras.
Planejamento de tempo é importante. Super importante. Fazer pão requer tempo para separar os ingredientes, preparar a massa inicial, fazer a autólise (uma pausa para a farinha absorver melhor a água), a sova ou as dobras, a primeira fermentação, a segunda fermentação e o tempo de forno e de resfriamento. Não tem essa de ?vou fazer um pão rapidinho?. Alguns tempos têm que ser respeitados, não tem jeito. Até existem técnicas para atrasar um pouco a fermentação se tiver que sair, como colocar na geladeira. Mas também não pode passar demais se não a massa desanda.
E aqui vem uma outra lição: aprender com os erros, não desistir e fazer de novo. #tenhacicatrizes.
Certa vez uma massa minha estava crescendo tão linda que pensei ?vou deixar um pouquinho mais e ela vai ficar espetacular?. Foi um dos meus primeiros erros, minha primeira cicatriz da panificação. A fermentação fora da geladeira passou do ponto, a massa desandou, parecia aquelas ?gelecas? e deu um trabalhão para jogar fora e limpar tudo! Fora o desperdício. Lição aprendida, fiz de novo, respeitando os tempos e deu tudo certo: pão lindo e saboroso.
A gestão do tempo é ainda mais essencial quando se está fazendo um pão de fermentação natural. Isto porque cerca de 4 a 8 horas antes de fazer o pão, dependendo do clima, você tem que refrescar o seu fermento natural para ativá-lo. Se não fizer isso, seu pão não vai crescer.
Então você tem que saber quando quer comer o pão, fazer a conta de trás para frente, considerando: tempo de refrescar o fermento + tempo de preparação da massa e seus descansos iniciais + tempo de primeira fermentação + tempo de segunda fermentação + tempo de forno + tempo de resfriamento.
Outro grande aprendizado é a paciência, saber esperar, cuidar e seguir o procedimento. Sou o tipo de profissional de marketing e vendas ousado, que não tem medo de tomar riscos, que não costuma seguir muito as regras ?padrão?. Profissionalmente, foram raras as vezes que desafiar o procedimento e assumir o risco de forma calculada não me trouxe o resultado que eu esperava.
Mas na panificação é diferente. Principalmente na hora de criar o seu Levain, seu fermento natural. Quando resolvi começar o meu do zero, achei duas receitas muito boas e acabei resolvendo fazer as duas ao mesmo tempo. Isto porque li várias vezes que era comum não dar certo na primeira vez, que um erro no procedimento e poderia ?matar? o seu fermento. Só que criar um fermento natural do zero leva em torno de sete dias. Ansioso como eu sou, iria ficar muito bravo em errar e ter que recomeçar.
Caso uma desse errado a outra poderia dar certo. Segui rigorosamente o passo a passo de cada uma delas. Tive que controlar minha ansiedade e saber esperar o resultado de cada etapa até chegar no momento certo. Sempre cuidando, seguindo o procedimento. Para mim, foi um forte exercício, mas ver o resultado final é uma sensação maravilhosa. Ainda mais quando as duas deram certo!!
Aprendi também que na panificação nem tudo é tão rígido quanto parece. E como em várias outras coisas na vida, a sua experiência adquirida conta muito. Uma vez que você conhece os processos pode assumir alguns riscos e improvisações, que podem dar certo ou não, mas isto faz parte do aprendizado. É a hora que você começa a brincar e resolve arriscar e testar alguns outros ingredientes além da farinha de trigo branca e integral. Você mistura aveia, quinua, farinha de mandioca, etc. Também começa a brincar com novas modelagens e formas de porcionar a massa. É o seu toque pessoal.
E você sabia que fazer pão te ensina a trabalhar em equipe? Sim, você e seu levain (fermento natural) são uma equipe! Você alimenta e ativa seu fermento. Depois mistura ele com os demais ingredientes e aí é a hora que ele faz o trabalho de fermentação da massa para você assar o pão e ter seu lindo resultado.
Uma outra lição é sobre controle de insumos e desperdício. Saber alimentar a quantidade correta de fermento que vai precisar sem ter que descartar o excesso, medir e usar a quantidade certa de farinha e água evitando perdas porque cai na pia, porque sobrou no pote e você jogou fora... Você começa a perceber que mesmo aquele pouquinho de farinha que parece inofensivo para jogar fora, pode ser suficiente para untar uma forma ou a área de trabalho para modelar. E quando acaba sua farinha, este pouquinho pode fazer falta. Eu sei bem. #tenhacicatrizes.
Os dois aprendizados mais legais quando você faz pão são a celebração e o compartilhamento.
Celebrar é muito importante! Fazendo pão você celebra cada pequena conquista: o fermento que deu certo, a massa que cresceu, a modelagem que ficou bonita, o pão crescendo no forno e o cheirinho tomando conta da casa, o pão pronto e lindo, o som crocante do corte, o cheiro, o sabor e os elogios que recebe. Cada conquista destas é importante e faz com que você libere mais dopamina no seu organismo, ficando com uma sensação de dever cumprido e vontade de fazer mais. E você vai fazer de novo, colocando amor... e de novo... e de novo....
Compartilhar também nos dá uma ótima sensação! E não estou falando só de compartilhar colocando fotos no Instagram para mostrar para todo mundo babar. (ok, confesso que também é gostoso isso, e sim, faz parte!!). Mas você irá querer compartilhar muito mais: vai querer compartilhar o pão, fazendo de presente para seus familiares e amigos. Vai querer compartilhar seus conhecimentos e aprendizado com alguém que está começando. Vai querer compartilhar seu fermento natural para facilitar a vida do outro. E, por fim, vai querer compartilhar suas fontes de informação e aprendizado, agradecendo aqueles que te ensinaram, que te inspiraram.
E quando você estiver razoavelmente bom no pão (nem precisa estar bom), vai começar a querer expandir seu portfólio. Vai querer arriscar outras categorias semelhantes como massa fresca, pizza, lasanha, bolos, etc. Faça aquilo que você tiver vontade. Não tenha medo!
Fazer pão só traz benefícios. Primeiro porque como diz o Luiz Américo Camargo: ?um pão caseiro será sempre muito mais saudável que um pão industrializado.? Segundo porque fazer pão é um aprendizado constante. Cada receita, cada marca de farinha, cada ingrediente que você adiciona pode gerar uma reação diferente.
E por fim, porque fazer pão te ensina e te abre a mente para um monte de outras coisas na vida, as quais muitas vezes não conseguimos enxergar por estarmos muito envolvidos nas nossas tarefas cotidianas. Ao sovar uma massa, você alivia o stress, muda seu foco.
Então, está esperando o que para colocar a mão na massa?
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